terça-feira, 25 de novembro de 2008

para meu pai, com quem morri um pouco
(na memória)

como numa fotografia amarelada pelo tempo
ou numa desfotografia
ou na estantaneidade de uma máquina digital:
meu pai, corpo estendido, mãos cruzadas - seus dedos compridos e bonitos -, aquelas flores cujo perfume ele não suportaria, meu pai já não era mais meu pai, era só mais um corpo estendido.
então, o cortejo, a despedida, aquele corpo jogado na gaveta.
senti meu pai se esvaindo numa nuvem de dor
e, com a morte dele,
morri um pouco

e, com a morte do meu pai,
nasci um pouco:
como numa fotografia revelada à moda antiga,
a morte me veio como sendo uma nova vida,
não a de quem parte, mas a de quem fica,
em cuja vida meu pai existe numa nuvem de saudade,
num porta-retrato adquirido nesse jogo bandido,
que a vida insiste em ganhar.

- eu sou a mosca que pousou em sua sopa, eu sou a mosca que pintou prá lhe abusar!
30/05/55 - 05/11/08


Paula

2 comentários:

Anônimo disse...

"a morte me veio como sendo uma nova vida
não a de quem parte, mas a de quem fica"

LINDO! eu adorei este poema... e foi o primeiro em que tentei comentar aquele dia. é uma situação difícil e dela vc fez uma coisa assim... bonita... sincera... como diz o próprio poema: fez nascer uma nova vida de outra que se foi.

Anônimo disse...

“Ontem o mundo me expulsou da vida. Hoje a vida nasceu. Ventania, muita ventania. Que instabilidade. Me muero. Vivo no futuro da ventania. Por que é que tudo se diz: fica para a semana que vem? Eu estou aqui, aqui a espera. Vivo agora e o resto que vá para a puta que o pariu. E meu cachorro que não fez nada. Só é. Eu também sou: é. Eu de bandeira esfarrapada.” - Clarice Lispector em "Um Sopro de Vida"